Nova legislação da União Europeia exigirá mecanismos de compliance e acesso à informação ambiental

Cristina Leme Lopes, Gerente Sênior de Pesquisa do Climate Policy Initiative/PUC-Rio

Três grandes desafios do mundo moderno – mudanças climáticas, perda acelerada de biodiversidade e segurança alimentar – podem e devem ser enfrentados por meio de estratégias comuns, conciliando produção de alimentos com conservação de florestas e os mais diferentes habitats. Por se tratar de desafios globais, eles precisam ser respondidos por diferentes atores, nas esferas nacional e internacional, incluindo governos, produtores rurais, agroindústrias, ONGs e sociedade civil. 

É nesse contexto que a União Europeia (UE) aprovou uma nova legislação que proíbe a entrada, nos países do bloco, de uma série de commodities agrícolas produzidas em áreas de floresta desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020. O objetivo da legislação europeia é prevenir o desmatamento e a degradação florestal decorrente da produção de carne bovina, madeira, óleo de palma, soja, café e cacau, e seus derivados, como couro, chocolate e móveis.

O Brasil é um dos líderes na produção e exportação de várias das commodities listadas na legislação europeia e essa nova regulamentação se apresenta ao mesmo tempo como uma oportunidade e um desafio. Segundo estimativas, podemos dobrar nossa produção agrícola aproveitando as áreas já abertas, sem a necessidade de novos desmatamentos¹. Só na Amazônia, há em torno de 85 milhões de hectares de floresta já desmatada que poderia ser aproveitada para abrigar a demanda projetada pelo governo brasileiro para a produção agropecuária até 2030². Além disso, o incremento da oferta de alimentos pode ser feito com o aumento da produtividade por meio da adoção de tecnologias e boas práticas agrícolas.

Por outro lado, produtores rurais e agroindústrias precisarão adotar mecanismos de compliance, como ferramentas de rastreabilidade, certificação, dentre outros, para comprovar que as commodities não foram produzidas em áreas desmatadas ou degradadas após 31 de dezembro de 2020. O compliance não poderá ser feito apenas com relação ao desmatamento e à degradação florestal, mas também com relação ao cumprimento da legislação ambiental e trabalhista que depende, em grande medida, de informações públicas disponíveis e acessíveis.

Além disso, a regulamentação europeia não define o que é desmatamento e degradação florestal. Por exemplo, a produção em áreas de pousio com vegetação secundária será considerada desmatamento? Com relação à degradação, a questão se torna ainda mais complexa. Pode-se definir degradação como a perda parcial de biomassa florestal, mas sua medição é complexa, porque o fenômeno passa por diferentes etapas e gradações.³

Em termos práticos, a compliance exigida pela nova legislação da UE depende de acesso à informação de uma série de documentos públicos, incluindo autorizações, licenças, autos de infração, embargos, cadastros ambientais, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), e também de informações geoespacializadas do uso da terra para acompanhamento em tempo real do desmatamento.

Ocorre que essas informações nem sempre estão disponíveis ao público e, muitas vezes, estão desatualizadas. As informações podem ser de competência de diferentes entes da federação (União, estados e municípios) e, mesmo que haja um sistema integrado, há dificuldades na integração das bases estaduais.

Essa questão pode ser uma oportunidade para impulsionar o Brasil a adotar mecanismos para a integração de bancos de dados públicos com transparência e acesso à informação. Por outro lado, a falta de uma plataforma de dados que reúna em um único lugar os dados públicos sobre desmatamento ou degradação florestal, ilegal ou autorizada, poderá impor uma barreira significativa para os produtores, sobretudo para os pequenos e médios agricultores das commodities listadas na legislação da UE.

Além disso, a nova legislação da UE pode contribuir para a efetiva implementação do Código Florestal, legislação brasileira que promove o crescimento da produção agropecuária alinhado à proteção dos recursos naturais, propondo regras de conservação e limites no uso do solo. De acordo com o Código, qualquer desmatamento de vegetação nativa depende de prévia autorização do órgão competente e de compensação ambiental através do instrumento conhecido por reposição florestal. Esses mecanismos, em conjunto com as regras de conservação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal, garantem uma produção agropecuária sustentável.

Além disso, a nova legislação da UE pode contribuir para a efetiva implementação do Código Florestal, legislação brasileira que promove o crescimento da produção agropecuária alinhado à proteção dos recursos naturais, propondo regras de conservação e limites no uso do solo. De acordo com o Código, qualquer desmatamento de vegetação nativa depende de prévia autorização do órgão competente e de compensação ambiental através do instrumento conhecido por reposição florestal. Esses mecanismos, em conjunto com as regras de conservação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal, garantem uma produção agropecuária sustentável.

Em parceira com o LIF, o CPI/PUC-Rio desenvolve um projeto que visa transformar o mecanismo de reposição florestal em instrumento capaz de inibir o desmatamento legal e de promover a restauração de áreas prioritárias para conservação. O projeto busca também fornecer recomendações para melhorar a transparência, o rastreio e a integração de dados sobre o desmatamento legal para, com isso, aprimorar o monitoramento e o controle de tal prática nas propriedades rurais.

Com apoio do Land Innovation Fund, Climate Policy Initiative implementa um programa de reposição florestal que visa aumentar a transparência, o acesso aos dados e a integração de informações para aprimorar a tomada de decisão e fortalecer os mecanismos ecossistêmicos no país.

Referências

¹ Antonaccio, Luiza, Juliano Assunção, Maína Celidonio, Joana Chiavari, Cristina L. Lopes, Amanda Schutze. Ensuring Greener Economic Growth for Brazil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2018. bit.ly/3oZHgSY

² https://amazonia2030.org.br/wp-content/uploads/2022/10/ParadoxoAmazonia_AMZ2030.pdf

³ Gandour, Clarissa, Diego Menezes, João Pedro Vieira e Juliano Assunção. Degradação Florestal na Amazônia: Fenômeno Relacionado ao Desmatamento Precisa ser Alvo de Política Pública. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021.

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