Integrando-nos com o mundo: Diálogos sobre o Gran Chaco
Uma maior visibilidade para o Gran Chaco será o resultado do esforço conjunto articulado entre os diferentes setores da sociedade, com uma visão transfronteiriça e de complementaridade entre os governos nacionais e especialmente subnacionais, para alcançar o desenvolvimento de políticas ambientais que promovam a inclusão social e a preservação dos bens e serviços naturais do bioma.
Durante os dias 26, 27 e 28 de outubro, ocorreu uma série de três eventos que, em diferentes escalas, abordaram a temática da expansão da fronteira agropecuária no Gran Chaco e como esta expansão e intensificação das atividades produtivas podem gerar novas oportunidades de preservação dos bens e serviços da natureza nesta ecorregião. Os Diálogos sobre o Gran Chaco foram realizados no âmbito dos Land Innovation Dialogues (LID), iniciativa internacional realizada pelo Land Innovation Fund (LIF) junto com organizações locais, neste caso a Fundação ProYungas.
A ecorregião do Gran Chaco, com seus 100 milhões de hectares que compartilhamos com a Bolívia, Paraguai e um pouco com o Brasil, é um dos grandes ecossistemas florestais da América do Sul. Atualmente, mais de 20% da ecorregião tem sido transformada por atividades produtivas intensivas, mas grande parte de sua superfície está sujeita a diferentes atividades produtivas de menor intensidade, como a "pecuária de montanha" ou a extração de produtos florestais (dormentes, lenha e carvão, postes e toras de madeira). Embora a transformação deste ambiente ainda não seja muito grande em países como Paraguai e Argentina, mais de 90% da expansão da fronteira agropecuária está concentrada nesta ecorregião.
Até tempos relativamente recentes, esta ecorregião foi marginalizada e não recebeu muita atenção, nem esforços para sua proteção efetiva, principalmente na Argentina. Tanto é assim que menos de 5% estão em áreas protegidas, elas são pequenas e não podem garantir por si só a manutenção de sua biodiversidade a longo prazo. Além disso, elas estão isoladas entre si e ainda não há um projeto de corredores ecológicos implementados nos territórios que garanta conectividade entre elas. Nesse sentido, o papel do setor produtivo é extremamente importante para agregar uma área de proteção efetiva (privada e comunitária) e garantir o fluxo da biodiversidade através da matriz produtiva.
O que os produtores acham?
Durante o primeiro painel do Land Innovation Dialogues, foi abordada a visão dos produtores, destacando o forte apego à terra, que provém da tradição familiar e que inclui verdadeiras odisseias e aventuras humanas no processo de colonização e produção. Também foi dada ênfase aos esforços de melhoria contínua e à variação ao longo do tempo das premissas sobre práticas de produção e sistemas de certificação. Estes últimos surgiram como forma de contribuir para o desenvolvimento de práticas mais amigáveis com o ambiente e atentas às demandas sociais e ao aumento da eficiência tanto energética quanto produtiva. No entanto, existe o risco de que essas certificações "virem as costas" para esses sistemas produtivos imersos em ecorregiões de alto valor ambiental e social, como o Gran Chaco, dada a necessária transformação dos sistemas naturais e as frequentes tensões e conflitos territoriais muitas vezes derivados desse processo de expansão. O modelo "Paisagem Produtiva Protegida" foi apresentado como uma alternativa nova e crescente que vincula positivamente o desenvolvimento produtivo com a preservação da natureza na escala paisagística, modelo que começa a ser implementado na região do Chaco.
Políticas públicas e privadas, potencialidades e limitações.
Um grande desafio nos países que contêm a região de Gran Chaco é a limitada credibilidade e cumprimento das leis, países onde mais de 80% da população não crê em sua implementação e eficácia, colocando em dúvida o interesse e a capacidade institucional para seu cumprimento, diante de um quadro regulatório abundante e crescente ("inflação legislativa"). Por outro lado, as políticas privadas são muito dinâmicas, muito atentas a aquilo que os mercados mundiais ditam, com grande capacidade de inovação e implementação de ações que permitam dar sinais positivos associados com suas atividades.
Também foi destacada a necessidade de um olhar sistêmico e nesse sentido a consolidação de normas técnicas pode ser uma oportunidade para estimular e sustentar mudanças, destacando a importância de gerar espaços para o diálogo em vez de aumentar o ditado das leis com pouco apoio técnico. Essa necessidade de combinar práticas melhores e mais visíveis também deveria estar associada a um maior e melhor posicionamento dos consumidores na hora de escolher quais produtos adquirir, priorizando aqueles provenientes de espaços produtivos que tenham articulado melhor a produção com a natureza e o contexto social (Paisagens Produtivas Protegidas -PPP-, Manejo Florestal com Pecuária Integrada –MBGI-, Empresas B).
A sustentabilidade é entendida como um processo de alta complexidade, que se baseia na crescente institucionalidade, na articulação e no diálogo entre setores que compartilham um território, que estão gerando experiências e conhecimentos que são implementados (pilotos), se expandem e que podem ser concluídos em uma norma ou marco legal consensual. É preciso entender que esses processos que buscam a sustentabilidade das atividades envolvem olhar a longo prazo, aprender a suportar frustrações, se basear em tentativa e erro, entender que as soluções são baseadas em interesses particulares e que devem envolver maior colaboração entre os setores privado e público.
Uma questão que foi destacada foi a contribuição do setor privado para a preservação dos espaços naturais incluídos dentro de seus patrimônios, indicando para o setor de plantio florestal uma relação de quase 1/1 entre hectares cultivados e hectares protegidos, associados a isso também, uma crescente capacitação e organização das instituições que representam os diferentes setores produtivos, incluindo a crescente profissionalização em atividades que envolvem a redução de todos os tipos de riscos (trabalhistas, ambientais, sociais). Avançar em sustentabilidade implica reduzir a informalidade, cumprir as leis, avançar na institucionalização das cadeias e promover os processos de organização e planejamento dos territórios. Nesse sentido, para o setor florestal, é possível observar uma diferença clara e acentuada entre esses atributos na atividade associada ao desenvolvimento de produções baseadas em plantações, em comparação com as atividades a partir do aproveitamento da floresta nativa, incluindo nesta dicotomia os recursos do Gran Chaco.
Foi ressaltada a importância de considerar os espaços territoriais como "Bens Públicos de Qualidade" que implicam o compromisso de promover a equidade social e a inovação proporcionada pelas empresas, a territorialidade proporcionada pelas organizações da Sociedade Civil e pelo Estado que garante a governança territorial, assumindo que em uma região transfronteiriça como o Gran Chaco, existem diferentes modelos de organização do Estado que devem ser considerados quando se pensa nesses processos de planejamento e organização dos territórios. No entanto, apesar dessas diferenças, considerou-se a importante marca do "ser do Chaco", que vai além e supera as diferenças institucionais nacionais. Também foi ressaltada a organização das instituições da Sociedade Civil dos três países desta ecorregião que são nucleadas em um coletivo chamado "Redes Chaco" que promove processos institucionais como o "Fórum de Representantes do Gran Chaco", bem como espaços de trabalho em diferentes comissões da ZICOSUR, ou ainda os "Encontros Mundiais do Gran Chaco”, evento no qual o presente seminário foi marcado.
Por fim, foi destacada a importância de gerar espaços que promovam a confiança entre os setores, a necessidade de articulação público-privada para alcançar a escala de boas práticas e compromissos e gerar as sinergias necessárias entre os usos tradicionais do espaço do Chaco que envolve 60/70% do território, com as novas e intensivas atividades produtivas destinadas aos mercados internacionais
Como alcançar impactos em escala global?
É evidente que as diferentes ecorregiões da América do Sul têm diferentes histórias de colonização, uso e transformação de seus espaços naturais. Nesse contexto, o Gran Chaco aderiu recentemente à produção intensiva para a produção de alimentos e produtos destinados a atender à demanda do comércio nacional e internacional. Cerca de 20 a 25% de seu território foi transformado, mas o resto é ocupado por atividades de uso tradicional que incluem agricultura familiar em pequena escala, pecuária de montanha e a caça e coleta ("marisca") por comunidades nativas muito abundantes e diversas na ecorregião. Todas essas atividades têm se encarregado em diferentes graus e formas da preservação da natureza em ambientes produtivos e são aquelas que mantêm a capacidade de recuperação desejada da natureza e que colocam o setor produtivo como parte da "solução" dos importantes desafios ambientais da ecorregião epicentro do Cone Sul da América do Sul, que atualmente representa um dos mais importantes centros de produção, biodiversidade e riqueza étnica do mundo.
Sem dúvida, devemos mostrar esses atributos ao mundo e devemos fazê-lo de uma forma clara e transparente, que permita garantir essa aliança positiva entre os diferentes interesses humanos. A "AGROIDEAL" (https://soja.agroideal.org/ar/) foi apontada como uma ferramenta adequada nesse sentido. Esta ferramenta baseada em mapas temáticos de qualidade permite visualizar o contexto ambiental e social da procedência dos produtos da região do Chaco da Argentina e permite principalmente aos compradores de soja, de uma forma simples, avaliar os "riscos" de adquirir produtos de determinadas áreas do Gran Chaco. A realidade é que uma fração minoritária da soja produzida na Argentina vem de áreas críticas (menos de 10%) e que nosso país através da "Lei Florestal" assumiu um forte compromisso de preservar cerca de 80% da superfície florestal atual. Mas devemos gerar e promover plataformas que nos permitam acompanhar, monitorar e garantir a rastreabilidade ao longo de sua cadeia de valor de produção de forma clara e de acordo com o marco regulatório nacional, garantindo que sejam alcançados os "Hectares desmatados zero" ilegalmente associados a essas produções de interesse internacional (Iniciativa VISEC: Visão Setorial do Gran Chaco Argentino).
O objetivo, então, é transformar ou visualizar esses espaços do Chaco como "Paisagens bioalimentares" que permitam vincular positivamente os espaços destinados à preservação da natureza com aqueles destinados a diferentes produções, em diferentes escalas espaciais, garantindo heterogeneidade ambiental, diversidade de produções e integração social e produtiva.
O esforço de preservação é claramente contrastante entre os diferentes países da região do Chaco, sendo os maiores e mais importantes núcleos formais de conservação na Bolívia e no Paraguai, enquanto que a Argentina é claramente insuficiente nesse sentido, tendo a necessidade de gerar modelos inovadores, entre os quais podem ser incluídas as "Áreas de Gestão Compartilhada" como as promovidas pela ZICOSUR (Zona de Integração do Centro-Oeste da América do Sul).
Sem dúvida, a ZICOSUR representa um espaço de articulação institucional regional sem comparação, reunindo mais de 70 estados subnacionais, incluindo grande parte da região do Gran Chaco, promovendo ações de capacitação, integração e promoção da articulação das normas ambientais regionais. Isso no seio da Comissão de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável que conta com a participação ativa das organizações da Sociedade Civil. Essa participação das OSC tem sido incentivada e financiada por diversos projetos apoiados pela União Europeia e nesse sentido essa institucionalidade internacional é fundamental em futuras ações de integração e geração de uma plataforma intersetorial com foco na região transfronteiriça do Chaco e que, no caso da Argentina, se expanda na dimensão do "Norte Grande”, região que envolve os 9 estados do norte do país.
A maior visibilidade do Gran Chaco será o resultado do esforço conjunto articulado entre os diferentes setores da sociedade, com uma visão transfronteiriça e de complementaridade entre os governos nacionais e especialmente subnacionais da região, para alcançar o desenvolvimento de políticas ambientais que promovam a inclusão social e a preservação articulada dos bens e serviços naturais do Gran Chaco e que isso implique uma maior articulação com o resto do mundo em questões comerciais, mas também na troca de experiências, conhecimentos e vivências com regiões de condições socioambientais semelhantes.
Em suma, mais um passo importante na direção da integração e do planejamento estratégico de longo prazo. Mais natureza, mais produção, mais integração territorial. Estas são as metas a serem alcançadas por um Gran Chaco que desperte interesse e uma visão positiva do mundo.
Palestrantes que participaram dos diálogos:
Gustavo Idigoras (CIARA-CEC), Mariano Fernández (ZICOSUR), Javier Beltran (TNC), Luca Pierantoni (União Europeia), Claudia Peirano (AFOA), Marcelo Naval (INTA Santiago del Estero), Agustín Mascotena (SOLIDARIDAD), Paola Díaz (AAPRESID), Ana Andreani (RTRS), Lucas Elizalde (Anta del Dorado S.A. / Andes Harvest Foods S.A.), Yan Speranza (Fundação Moisés Bertoni - Paraguai), Liliana Paniagua (Redes Chaco – Argentina / Bolívia), Stefan Isaak (Cooperativa Neuland, Paraguai) e Felipe Mendieta Kramer (Santa Cruz de la Sierra, Bolívia). Além da participação de Alejandro Brown, presidente da Fundação ProYungas (Argentina) e Sebastián Malizia, diretor executivo desta fundação, também contamos com a apresentação dos Land Innovation Dialogues feita por Carlos Quintela, diretor do Land Innovation Fund.