Agropecuária de baixo carbono e resiliente como solução climática

Os impactos do aquecimento global na agropecuária são cada vez mais presentes em todas as regiões do mundo. O aumento de temperatura e dos períodos secos, as mudanças nos padrões de precipitação, o aumento da incidência de pragas e outros fatores assolam a produção de grãos no Rio Grande do Sul, a produção de uvas vitis viníferas na Califórnia, a produção de trigo na Índia, dentre inúmeros outros casos.

Até setembro de 2022, 141 Partes incluíram ações climáticas de agricultura e segurança alimentar nas suas contribuições nacionalmente determinadas (NDC), visando fomentar mitigação, adaptação e cobenefícios. Os desafios que cada país enfrenta e as estratégias que pretendem adotar para tanto dependem de ações e políticas relacionadas a implementação das NDCs.

Incentivar a adoção de tecnologias e práticas produtivas que permitam reduzir emissões e remover carbono, aumentar a produtividade e favorecer a adaptação é a base de ações na agropecuária. Isso inclui recuperar pastagens degradadas, estimular a integração entre agricultura, pecuária e florestas, plantio direto, uso de bioinsumos, fixação biológica do nitrogênio, dentre outras medidas. Ainda, a conservação e restauração de vegetação nativa associada à produção promove outra forma de incrementar resiliência associada a mitigação na agropecuária.

O Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (Plano ABC+), aprovado pelo Brasil em 2021, visa atingir 72,6 milhões de hectares adotando as tecnologias de baixo carbono, o que permitirá reduzir até 1 bilhão de toneladas de CO2equivalente. A aprovação de Planos ABC+ estaduais permite definir metas voltadas para os desafios regionais e envolver o setor privado, bancos, sociedade civil e outros atores na implementação das ações de agricultura e segurança alimentar.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a abordagem climate smart agriculture deve envolver perspectivas que incorporam diferentes elementos voltados para contextos locais, contemplando tecnologias, políticas, instituições e investimentos. Os sistemas de agropecuária de baixo carbono devem considerar três pilares: i) Aumentar de forma sustentável a produtividade agrícola e os rendimentos; ii) Fortalecer a adaptação e construção de resiliência às alterações climáticas; iii) Reduzir e/ou eliminar as emissões de GEEs.

Durante a 27ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP27), as Partes aprovaram a Decisão 3/CP.27, criando o Sharm el-Sheikh joint work on implementation of climate action on agriculture and food security, com vistas a avançar nas negociações sobre agricultura e mudanças do clima, tomando como referência a experiência criada no âmbito do Trabalho Conjunto de Koronivia sobre Agricultura.

A decisão reconhece a relação intrínseca dos impactos das mudanças climáticas para a agricultura e o alcance da segurança alimentar global. Adicionalmente, criou o Sharm El-Sheikh online portal, que deverá reunir as ações e políticas das Partes sobre ações climáticas de agricultura e segurança alimentar.

Espera-se que a COP28 defina um escopo de trabalho para o grupo que permita conectar ações, políticas e projetos efetivos das Partes à financiamento climático. Sem isso o alcance das ações de agricultura e segurança alimentar ficará aquém do potencial e da necessidade de fomentar a agropecuária resiliente.

Outro aspecto inerente ao avanço da implementação do Acordo de Paris e o papel da agropecuária é o debate sobre mercado de carbono. Há, na prática, espaço para a geração de créditos de carbono na agropecuária, que integre o mercado regulado, no âmbito do Artigo 6 do Acordo de Paris e do mercado voluntário?

Em outras palavras, é razoável pensar que a produção agropecuária permitirá, cumpridos vários requisitos, gerar uma safra de créditos de carbono que contribuirão com a neutralidade climática necessária para a meta de 1.5°C?

A aprovação das regras do Artigo 6, na COP26, em 2021, criou as bases sobre as quais o mercado de carbono regulado deverá funcionar, considerando o Artigo 6.2 e a transferência internacional de resultados de mitigação (ITMOs) e o Artigo 6.4 e as reduções de emissão denominadas de A6.4ERs. Apesar dos avanços alcançados visando estruturar os mecanismos, ainda há desafios para torná-los operacionais, o que deve gerar novas decisões na COP28.

No relatório “State and Trends of Carbon Pricing 2023”, publicado pelo Banco Mundial, existem 73 modelos de precificação de carbono que representam 23% das emissões globais de GEE¹. Há 36 Sistemas de comércio de emissões (Emissions Trading Systems - ETS) considerando sistemas já em operação e em implementação e 37 taxas de carbono, envolvendo países e jurisdições.

No mercado regulado, são impostas metas de redução mandatórias para setores mais emissores, com o estabelecimento de um teto de emissões, a concessão de licenças de emissão e a permissão de um limite de compensações que pode ser adquirido no mercado de carbono.

No mercado voluntário, por sua vez, os créditos de carbono são adquiridos por empresas, estados, cidades, companhias aéreas, dentre outros atores, que, voluntariamente, decidem compensar as suas emissões. Em 2021, os mercados de carbono voluntário cresceram em uma velocidade exponencial, alcançando o valor de U$ 2 bilhões, de acordo com o Ecosystem Marketplace². Todavia, após dois anos de crescimento, houve uma redução nos créditos emitidos em 2022 quando comparados ao ano anterior.

“Em outras palavras, é razoável pensar que a produção agropecuária permitirá, cumpridos vários requisitos, gerar uma safra de créditos de carbono que contribuirão com a neutralidade climática necessária para a meta de 1.5°C?”

A iminente aprovação de uma lei, criando o mercado de carbono regulado brasileiro, deve seguir o enfoque cap and trade, estabelecendo metas compulsórias para setores mais emissores. As metas setoriais devem ser definidas via regulamentação, bem como detalhes sobre setores, metodologias e requisitos para o desenvolvimento de projetos que gerem créditos de carbono aceitos no mercado regulado.

É essencial considerar que créditos de carbono na agropecuária tratam de redução de emissões e sequestro de carbono, o que exigirá rigorosos requisitos para assegurar integridade ambiental. Evitar dupla contagem, fuga de emissões, risco de não permanência, adicionalidade são alguns critérios que precisam ser contemplados quando se pretende gerar créditos de carbono de alta qualidade.

Quando se trata de agricultura, vale salientar que além dos requisitos de integridade ambiental, é válido considerar cobenefícios que podem agregar valores adicionais a projetos, como aprimoramento de condições socioeconômicas, adoção de inovações e práticas que permitam avançar adaptação ligada a agricultura.

A geração de projetos agropecuários dependerá de metodologias seguras, com respaldo científico e que permitam monitoramento. Embora já existam metodologias aplicáveis, é necessário adaptá-las à realidade brasileira, gerando créditos de carbono de alta integridade, o que irá assegurar maior credibilidade aos créditos brasileiros.

É preciso pensar nas ações climáticas de agricultura e segurança alimentar não apenas com o enfoque de gerar créditos de carbono como offsets. Conforme descrito pela International Platform for Insetting³ projetos insetting são intervenções ao longo da cadeia de valor de uma empresa que são concebidas para gerar reduções de emissões e armazenamento de carbono e, ao mesmo tempo, criar impactos positivos para comunidades, paisagens e ecossistemas.

O viés insetting, pensando na agropecuária, visa promover ações e investimentos que possam reduzir diretamente as emissões geradas pelas próprias operações ou cadeia de abastecimento de uma empresa que possua metas de descarbonização. Em suma, incentiva a adoção de ações climáticas na agricultura baseadas na adoção de tecnologias, inovações e práticas que podem reduzir as emissões ou remover carbono ao nível da exploração agrícola, considerando a agricultura regenerativa (culturas de cobertura, integração lavoura, pecuária e florestas, plantio direto, agrossilvicultura, entre outros), reflorestamento e outras práticas. O desmatamento é outro alvo importante para possíveis esquemas de insetting, considerando o impacto das emissões diretas do desmatamento.

É válido refletir de que forma projetos insetting podem impulsionar a transformação da agropecuária, vinculando empresas de tecnologia, serviços, financiamento e logística, a fim de que empresas possam estimular ações que gerem reduções de emissão e sequestro de carbono que terá um valor na cadeia, mas não como um crédito offset.

A iminente aprovação de um mercado de carbono no Brasil precisa levar em conta a oportunidade de estimular a descarbonização da economia e motivar o desenvolvimento de projetos que gerem inovação e geração de créditos de carbono. A integração do futuro mercado nacional ao mercado internacional será de fundamental importância a fim de potencializar o alcance das reduções de emissão e de projetos que promovam desenvolvimento sustentável.

A agropecuária poderá integrar as metodologias e projetos que gerem crédito para o mercado regulado nacional, internacional e voluntário, mas é preciso considerar a necessidade de assegurar integridade ambiental e a geração de créditos de alta qualidade. Isso exigirá um longo caminho visando construir metodologias que considerem critérios rigorosos de carbono e além de carbono, que permitam diferenciar créditos no mercado.

Referências Bibliográficas:

¹ World Bank. State and Trends of Carbon Pricing 2023. Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/entities/publication/58f2a409-9bb7-4ee6-899d-be47835c838f

² Ecosystem Marketplace. State of the Voluntary Carbon Markets 2022. Disponível em: https://www.ecosystemmarketplace.com/publications/state-of-the-voluntary-carbon-markets-2022/

³ International Plataform for Insetting. Disponível em: https://www.insettingplatform.com/

[1] Rodrigo C. A. Lima é sócio-diretor da Agroicone. Advogado, Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui 20 anos de experiência em comércio internacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no setor agropecuário e de energias renováveis. E-mail: rodrigo@agroicone.com.br

[1]Sabrina Kossatz Borba é pesquisadora da Agroicone. Advogada, Pós-Graduanda em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com atuação na agenda de mudanças do clima, mercado de carbono, biodiversidade e comércio internacional. Bacharel em Direito pela UniCuritiba, foi colaboradora dos grupos de Responsabilização Civil em face do Meio Ambiente e Compliance. E-mail: sabrina@agroicone.com.br

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