Perspectivas sobre a agricultura de baixo carbono no Brasil – histórico, desafios e oportunidades

O desenvolvimento da agricultura no Brasil foi acompanhado pela expansão desestruturada de áreas destinadas a diferentes atividades antrópicas. Milhares de hectares de áreas naturais com predomínio de vegetação nativa foram convertidos para o uso antrópico sem uma estratégia para identificar a viabilidade dessas áreas para tais atividades ou para proteger áreas importantes para a biodiversidade. O processo de conversão de paisagens muitas vezes é hostil ao ambiente e correlacionado ao uso de fogo para a abertura de áreas. Essa falta de planejamento resultou em uma drástica redução e fragmentação de áreas naturais com efeitos negativos para a biodiversidade, sendo acompanhado pela emissão de toneladas de carbono na atmosfera. Entretanto, muitas dessas localidades foram constatadas como improdutivas, isoladas ao acesso a insumos ou que o solo exposto foi degradado com o surgimento de voçorocas.

Entre as formas de potencializar a produção e combater doenças no cultivo estão o uso de fertilizantes e agrotóxicos. Contudo, o uso indiscriminado pode prejudicar os ecossistemas naturais e afetando a qualidade dos recursos hídricos. Além disso, a aplicação intensiva de agrotóxicos pode resultar em resíduos nos alimentos, na contaminação de cursos d'água e no declínio de populações de insetos polinizadores e outras espécies que performam importantes serviços ecossistêmicos. Esses problemas levantam a necessidade de promover e incentivar práticas agrícolas mais sustentáveis, como a adoção de técnicas de manejo integrado e o fomento à agroecologia, visando reduzir os impactos negativos no meio ambiente e na saúde humana.

Desde 2009, na 15ª Conferência das Partes (COP-15), o Brasil se comprometeu com a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Entre as estratégias adotadas, foi instituída a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) cujos princípios estão alinhados com a precaução, prevenção, participação cidadã, desenvolvimento sustentável e responsabilidades comuns. No intuito de estimular práticas sustentáveis voltadas para a agricultura, o governo criou o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de um Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura – o Plano ABC.

Os princípios e objetivos do Plano ABC visam a agricultura de baixo carbono, levando em conta a recuperação de áreas degradadas, adoção de sistemas integrados de produção (ILPF), sistemas agroflorestais (SAF) e a difusão da Fixação de Nitrogênio (FBN). O ILPF é um modelo que busca harmonizar a produção de alimentos com a preservação do meio ambiente e a redução das emissões de gases de efeito estufa. Esses sistemas integrados resultam em maior eficiência no uso do solo pela integração de diferentes atividades, além de contribuir com o sequestro de carbono, com o aumento da matéria orgânica no solo, a redução da erosão e a melhoria das condições climáticas locais. De forma similar, sistemas agroflorestais também otimizam o uso do solo e favorecem a ciclagem de nutrientes e infiltração de água no solo ao combinar o manejo de espécies arbóreas com cultivos agrícolas. Outro ponto essencial, é a ciclagem de nutrientes no solo. Entre os elementos essenciais para a produção agrícola está o Nitrogênio, que embora esteja presente em abundância na atmosfera na atmosfera, a fixação desse elemento no solo é um fator limitante. Por isso a FBN é um método importante para economia dos produtores e uma eficiência na produtividade.

“O ILPF é um modelo que busca harmonizar a produção de alimentos com a preservação do meio ambiente e a redução das emissões de gases de efeito estufa. Esses sistemas integrados resultam em maior eficiência no uso do solo pela integração de diferentes atividades, além de contribuir com o sequestro de carbono, com o aumento da matéria orgânica no solo, a redução da erosão e a melhoria das condições climáticas locais.”

Ao adotar práticas e técnicas sustentáveis, esse tipo de agricultura busca minimizar o impacto negativo no clima e na biodiversidade, mantendo a produtividade e garantindo a segurança alimentar. Uma das principais abordagens da agricultura de baixo carbono envolve o uso eficiente dos recursos naturais, como o solo e a água, por meio de técnicas de manejo. No entanto, o sistema de escoamento e armazenamento do cultivo devem adotar ações sustentáveis. Reconhecendo a importância da agricultura para a mitigação das mudanças climáticas no cenário atual, o VCS/VERRA, um dos mais conhecidos standards de registro de projetos de carbono no mercado voluntário, publicou uma atualização para a metodologia VM-00042, a qual orienta para a redução de emissões de gases de efeito estufa e remoções de carbono orgânico do solo resultantes da conduta de práticas aprimoradas de uso do solo agrícola. Essa metodologia estabelece uma linha de base das emissões de GEEs que ocorreriam na ausência do projeto do manejo agrícola. Para isso, é necessário a avaliação das emissões de carbono a partir de uma referência que reflita as condições do uso da terra sem o projeto. Isso torna-se um estímulo para os produtores que poderiam gerar e comercializar créditos de carbono a partir da adoção de práticas agrícolas mais sustentáveis.

Embora exista uma estratégia, tanto do governo quanto do mercado voluntário, para promoção de práticas agrícolas sustentáveis e de baixa emissão de carbono, existem desafios e barreiras que podem dificultar sua implementação. Alguns desses desafios incluem:

  • Falta de Conscientização: Muitos agricultores podem não estar cientes dos benefícios do Plano ABC ou das práticas agrícolas sustentáveis, o que pode dificultar sua adesão.

  • Custos Iniciais Elevados: A adoção de tecnologias e práticas mais sustentáveis muitas vezes requer investimentos iniciais significativos. Isso pode ser um obstáculo para agricultores que têm recursos financeiros limitados. Essa barreira poderia ser quebrada a partir da geração de créditos de carbono que tornariam projetos desta natureza viáveis.

  • Falta de Acesso a Crédito: Muitos agricultores podem ter dificuldade em acessar crédito para financiar a transição para práticas sustentáveis.

  • Barreiras Técnicas: A implementação bem-sucedida de práticas sustentáveis muitas vezes requer conhecimento técnico e habilidades específicas. A falta de treinamento e assistência técnica pode ser uma barreira

Atualmente, existe uma grande quantidade de informação que evidencia a relação entre as áreas de floresta nativa com a regulação do clima (absorção da radiação, carbono, temperatura e chuva) e com a produtividade de cultivos agrícolas. Florestas naturais capturam e estocam carbono. Pelo fato de não existir um sistema artificial para a reciclagem do carbono atmosférico, os sistemas naturais como solo, oceano, florestas são essenciais para o controle do carbono. Por outro lado, por serem sistemas vivos, a evapotranspiração de uma área florestal contribui para a precipitação local e regional. Um ponto importante quando falamos de biodiversidade é ter em mente que biodiversidade não reflete apenas animais e plantas. A biodiversidade é uma propriedade emergente que surge das interações físicas, químicas e biológicas de um sistema. Quando se fala de perda de biodiversidade, não se refere apenas a extinção de uma espécie, mas também a perda de todas as interações que a espécie performa e que contribui para o equilíbrio do ecossistema.

Manter os ambientes florestais conservados possibilita uma variedade de serviços que a natureza performa e que a população humana se beneficia, os chamados serviços ecossistêmicos. Segundo o Relatório de Avaliação sobre Polinizadores de Alimentos IPBES, o valor da polinização natural (como a realizada por abelhas e aves, por exemplo) relacionada à produção agrícola tem um valor anual de U$ 12 bilhões. A conservação das áreas de Reserva Legal e APP no entorno dos cultivos agrícolas possibilita condições e recursos para a presença da fauna polinizadora além de favorecer a conectividade com outros ambientes florestais, como as unidades de conservação, resultando em uma paisagem permeável para a movimentação desses animais. Embora alguns cultivos agrícolas tenham como característica biológica a autopolinização, a ação de polinizadores pode aumentar o peso seco do produto.

Manter áreas de Reserva Legal e APP, mesmo sendo um requisito obrigatório contido no código florestal brasileiro pode muitas vezes ser oneroso aos proprietários, uma vez que a manutenção dessas áreas requer o cercamento e o monitoramento da área para garantir que não ocorra caça ou a degradação ambiental por terceiros. Os proprietários precisam investir recurso em uma área que, para muitos, é visto como área improdutiva. Nesse cenário, as Soluções Baseadas na Natureza são uma opção para agregar valor e auxiliar na manutenção dessas áreas que são importantes para a conservação dos diferentes ecossistemas do território Nacional, além de atuarem na remoção de gases de efeito estufa da atmosfera. Incentivar a proteção dessas áreas é essencial para tornar o agro brasileiro mais sustentável e aliado à proteção ambiental e desenvolvimento sustentável.

* Israel Schneiberg é especialista em soluções baseadas na natureza e mudança climática na GSS Carbono e Bioinovação

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