Mercado de carbono: oportunidade para o controle do desmatamento causado pela expansão agrícola no Brasil
O Brasil está no centro dos esforços para o cumprimento das metas globais de Clima e de Biodiversidade da ONU. Mais de 14% das áreas prioritárias para conservação de ecossistemas no mundo estão em território brasileiro (PLANGEA Web, 2023). Com isso, o país tem o maior potencial em Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), sendo estimadas nove bilhões de toneladas de carbono que não serão lançadas à atmosfera se nossos ecossistemas forem preservados. Além de possuir a maior biodiversidade do planeta, muitas espécies da fauna e flora só ocorrem no Brasil e diversas plantas com importância econômica mundial são originárias do país.
Entretanto, mesmo com incontestável importância, desde 1970 o Brasil já perdeu 18% de seus ecossistemas por desmatamento. Segundo o Relatório Anual de Desmatamento (MapBiomas, 2023), em 2022, a área desmatada cresceu 22% no país. A expansão agrícola foi o principal vetor de supressão de vegetação nativa, respondendo por 96% dessa área desmatada; o que representa quase dois milhões de hectares. Apesar disso, apenas 1% dos imóveis cadastrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) tiveram registro de desmatamento em 2022. Embora muito baixo, esse percentual representou 79% dos alertas de desmatamento no Brasil, demonstrando grande concentração do desmatamento em uma pequena parcela das propriedades cadastradas. Especificamente no Cerrado, um dos biomas mais afetados, o Ministério do Meio Ambiente estima que metade do desmatamento foi executado legalmente sob autorização dos órgãos ambientais estaduais.
Esses dados alertam para a urgência de esforços para a implementação de políticas voltadas à redução do desmatamento legal e à conservação voluntária da vegetação nativa, assim como para uma gestão mais eficiente dos recursos ambientais, visando uma produção agrícola sustentável. Além de benefícios sociais e ambientais de escala nacional e global, como a mitigação das mudanças climáticas, essas ações garantem o acesso dos produtores ao mercado de commodities livres do desmatamento, como a União Européia e o Reino Unido.
Segundo a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (conhecida como Código Florestal brasileiro), o produtor deve alocar parte da área de vegetação nativa da propriedade rural como Reserva Legal, além de manter/recuperar Áreas de Preservação Permanente que se encontrem dentro das suas propriedades. Estudos apontam que, ao cumprir esta exigência, o proprietário acredita que já cumpre sua obrigação com o meio ambiente. Para encorajar mudanças comportamentais no sentido de incentivar práticas adicionais, são necessários mecanismos que façam o produtor perceber a conservação ou a restauração voluntária da vegetação nativa como uma oportunidade de negócio atraente.
Nesse contexto, a região do MATOPIBA merece especial importância por ser a fronteira agrícola que mais cresce no país. A região concentrou a maior parte dos desmatamentos no Cerrado em 2022, representando cerca de 82% da área de vegetação nativa suprimida. Os dez municípios que mais desmataram no bioma também estão localizados neste território. A fim de identificar desafios e oportunidades para o fomento de mecanismos financeiros para a conservação e restauração ambiental no MATOPIBA, o Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) entrevistou mais de 60 produtoras(es) rurais nos quatro estados que formam o acrônimo (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). A pesquisa, financiada pelo Land Innovation Fund (LIF), mostrou que a maioria das(os) proprietárias(os) rurais (70% dos entrevistadas(os)) entende a venda de créditos de carbono como a principal fonte de potencial obtenção de renda a partir de áreas de vegetação natural, seguida pelo recebimento de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA).
O mercado de carbono é de fato um mecanismo de financiamento com grande potencial de aplicação em área rural, havendo oportunidades significativas para seu desenvolvimento no Brasil. As iniciativas de REDD+, manejo florestal, reflorestamento e restauração florestal têm o maior potencial de oferta setorial nas três esferas do mercado de carbono: mitigação, mercado regulado e mercado voluntário (ICC & WayCarbon, 2022). Além de contribuir para a conformidade legal da propriedade, também têm o potencial de impulsionar práticas agrícolas sustentáveis, a criação de empregos verdes e o desenvolvimento econômico sustentável no país.
Apesar do grande interesse dos produtores em acessar um mercado que compense financeiramente a conservação voluntária da vegetação nativa, a maioria não entende como o mercado de carbono funciona e afirma não ter acesso a ele. Os procedimentos para certificar, registrar e monitorar a redução de emissão de carbono em um projeto estão atrelados a altos custos monetários, que podem ser impeditivos a depender do tamanho da área e de onde será aplicado. De maneira geral, atualmente é preciso uma área mínima de cerca de 10.000 hectares para que um projeto de crédito de carbono derivado da restauração seja financeiramente viável. Considerando que o tamanho médio da propriedade rural no Brasil é 69 hectares (IBGE, 2020), isto é um impeditivo, principalmente para pequenos e médios proprietários de terra. Assim, são necessárias estratégias para diluição de custos e compartilhamento dos desafios da implementação de projetos de carbono para grupos organizados de proprietários de terras do mesmo bioma ou região biogeográfica.
O Brasil tem uma das maiores desigualdades do mundo com relação à distribuição da propriedade de terra (Mapa da Desigualdade, 2020). Apenas os 15.686 maiores imóveis do país (0,3% do total de imóveis) ocupam 25% de toda a terra agrícola do Brasil. Na outra ponta, é necessário somar as áreas dos 3.847.937 menores (77% do total de imóveis) para alcançar o mesmo percentual. Portanto, é imprescindível que esforços sejam desenvolvidos para evitar que o mercado de carbono seja excludente com os pequenos e médios produtores rurais, aumentando ainda mais a disparidade e as desigualdades entre as classes.
Perante o grande potencial para este mercado no país, os governos subnacionais são fundamentais para criar condições que permitam que o mercado de carbono se traduza em financiamento para a conservação e restauração em áreas rurais, fomentando a geração de renda do produtor rural em conformidade ambiental e assegurando sua permanência no campo. No entanto, para que isso se concretize é necessário melhorar questões técnicas e de governança, além de garantir segurança jurídica a potenciais investidores e um mercado futuro a esses projetos. Nesse sentido, um relatório técnico produzido pelo IIS apontou oito recomendações relevantes para a atuação dos governos subnacionais neste avanço mais inclusivo do mercado de carbono no Brasil. Essas recomendações são baseadas na integração de diferentes esforços, incluindo referências teóricas, perspectivas de especialistas e um panorama contemporâneo captado em um workshop com atores-chave de governos estaduais, empresas desenvolvedores de projetos de carbono, potenciais investidores e organizações da sociedade civil:
É necessário definir uma regulamentação e estrutura política para o mercado de carbono, contemplando a resolução de questões jurídicas pretéritas como a regulamentação fundiária e o enquadramento ao código florestal. A definição dos principais critérios para projetos privados e jurisdicionais esclarecerá oportunidades para pequenas e médias propriedades rurais;
Governos podem fomentar uma certificação regional em créditos de carbono, concentrando custos e processos administrativos, concentrando custos e processos administrativos. Projetos menos onerosos e burocráticos aproximam pequenos e médios produtores. Além disso, prover respaldo científico rigoroso e verificação por terceiros trará transparência e competitividade internacional à certificação;
Respeitar a governança local e estabelecer uma relação de confiança gera engajamento dos proprietários, sendo fundamental para permanência das atividades e eficácia do projeto de carbono. Ademais, coalizões entre governos, setor privado e terceiro setor podem apoiar os pequenos e médios produtores em escalonar seus projetos e impactos;
A contrapartida pela geração dos créditos de carbono deve ser justa e atrativa para os produtores rurais, podendo ser adquirida via recursos monetários ou outros benefícios individuais e coletivos, tais como: análise físico-financeira, assistência e capacitação técnica, instrumentação tecnológica e créditos de financiamento. A criação de cooperativas ou associações é uma abordagem valiosa para alinhar expectativas e viabilizar a participação de pequenas e médias propriedades;
É fundamental reduzir o custo financeiro à medida que se melhora a qualidade do monitoramento, relato e verificação de carbono, principalmente por avanços em metodologias e protocolos que consigam ganhar escala no território brasileiro. O investimento em ciência e tecnologia é fundamental para criar alternativas que sejam aplicáveis em pequenas e médias propriedades rurais;
Alternativas de financiamento devem ser viabilizadas pela ação conjunta dos setores da sociedade para inclusão de pequenos e médios produtores rurais. Um exemplo é o financiamento misto (blended finance), que está ganhando cada vez mais espaço nessa agenda. É necessário fortalecer a governança e a transparência para atrair investidores e financiadores para projetos de soluções baseadas na natureza (que possuem atividades e benefícios a longo prazo);
A capacitação técnica dos agentes governamentais, de extensão rural e de organizações do terceiro setor é fundamental para garantir a eficácia dos projetos de carbono em pequenas e médias propriedades rurais. Entender as características de cada jurisdição trará melhores resultados e aumentará a capacidade gerencial dos governos subnacionais, evitando burocracias e morosidade;
Além de garantir um bom diálogo interno no projeto, a comunicação precisa atingir todos os envolvidos e a rede de apoio, favorecendo participações ativas nas discussões e tomadas de decisão. A comunicação das políticas e dos projetos de carbono deve alcançar outros públicos, como empresas e indústrias, percebendo suas individualidades na comunicação (interesses, níveis de conhecimento etc.).
Essa abordagem sólida e integrativa estabelece uma rede de cooperação e apoio para governos e agricultores, aumentando as chances de sucesso das políticas e dos projetos relacionados ao mercado de carbono. É nítida a relevância do mercado de carbono como mecanismo econômico para incentivar práticas sustentáveis no meio rural, que beneficiem tanto a conservação ambiental quanto a prosperidade dos pequenos e médios produtores rurais. A implementação dessas ações apoiará a conscientização sobre a importância da mitigação das mudanças climáticas e da conservação da biodiversidade, caminhando para um futuro mais sustentável e resiliente.
*Rafael Loyola é diretor-executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), Juliana Almeida-Rocha é gerente técnico-científica, Bruna Pavani e Fernanda Gomes são pesquisadoras.