Restrições da União Europeia devem ser vistas como oportunidade, e não obstáculo

Luiz H. Varzinczak, Analista de Soluções Baseadas na Natureza, GSS Carbono e Bioinovação

A recente proibição de entrada de produtos agropecuários com origens em áreas de desmatamento aprovada pela União Europeia no final de 2022 ressalta mais um desafio para o setor no Brasil. Essa nova normativa se dá em linha com os recentes avanços nas discussões sobre o papel dos atores políticos e sociais e suas atuações para contenção dos efeitos adversos das mudanças climáticas e perda da biodiversidade.

Nesse contexto, o Brasil possui papel crucial devido a interesses muitas vezes considerados antagônicos: se por um lado o país detém a maior floresta tropical e uma das maiores biodiversidades do mundo, possuindo ecossistemas únicos e importantes para a comunidade global, por outro também é um dos maiores e mais importantes exportadores de commodities agrícolas do planeta, status atingido em grande parte pela expansão da agropecuária em ambientes antes formados por vegetação nativa, especialmente nos biomas do Cerrado e Amazônia. Essa destruição das formações vegetais originais se tornou uma grande preocupação com as perspectivas de mudanças climáticas, uma vez que a manutenção das florestas é um dos mais importantes mecanismos para impedir a concretização das projeções de aumento médio da temperatura na Terra.

Apesar de ser visto como potencialmente negativa por muitos atores como mais uma regulamentação na longa cadeia de comprovações e licenças necessárias para exportação de produtos agropecuários com potencial de fechar mercados para os produtores, essa proibição da União Europeia se apresenta como oportunidade, e não um entrave. Abaixo explico o porquê.

O avanço da produção agrícola e pecuária ao mesmo tempo que alçou o país à potência na exportação de commodities no setor, deixou uma mancha de áreas improdutivas e degradadas pelo uso intensivo do solo em sistemas de monocultura e pastagens pouco produtivas que foram abandonadas ou que não atingem todo seu potencial de uso do solo. De fato, grande parte das áreas nativas convertidas para agropecuária hoje estão degradadas. Por exemplo, estudo realizado em 2021 pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (Lapig/IESA/UFG)¹ apontou que dos cerca de 160 milhões de hectares convertidos para pastagem no Brasil, aproximadamente 100 milhões (cerca de 62%) apresentam algum grau de degradação. Assim, a pergunta que surge é: o Brasil precisa continuar com o desmatamento para permanecer como um dos líderes nas exportações de commodities agrícolas? A resposta é definitivamente um sonoro não, pois há alternativas muito mais sustentáveis e com potencial enorme para o país.

Entre as alternativas encontram-se as iniciativas para recuperação das pastagens já degradadas, transformando-as em sistemas produtivos e sustentáveis do ponto de vista ambiental. Por exemplo, de acordo com a The Nature Conservancy², a recuperação de áreas degradadas no Cerrado torna possível atender a demanda de produção de soja no Brasil sem a necessidade de desmatar novas áreas de vegetação nativa. Uma das possibilidades é a integração Lavoura-Pecuária-Floresta, sistema no qual pastagens recuperadas tem aumento de sua integridade ambiental devido à integração da pecuária com produção de grãos e preservação de vegetação nativa, aumentando o carbono estocado no solo e recuperando as paisagens antes improdutivas³. Alternativa similar se apresenta com a implementação de sistemas agroflorestais, aumentando a diversidade do cultivo e possibilitando a recuperação ambiental⁴, o que pode ter seus efeitos benéficos maximizados pela participação das comunidades locais no processo, trazendo desenvolvimento sustentável para os participantes.

É por esses motivos citados acima que as novas regulamentações impostas pela União Europeia devem ser encaradas como um ponto de partida para repensar o processo de conversão e uso do solo no Brasil. Os projetos apoiados pelo Land Innovation Fund têm atuado para auxiliar nesses quesitos. Por exemplo, o projeto visando a remuneração e pagamento por serviços ambientais para proprietários de terras no Cerrado desenvolvido pela parceria Treevia e GSS Carbono e Bioinovação incentiva a manutenção da vegetação nativa, evitando a degradação dessas áreas por diferentes agentes e impedindo que novos focos de desmatamento surjam nas propriedades. Além disso, fora do escopo específico do LIF, a GSS tem atuado em diferentes frentes e realizado estudos com intuito de propor soluções a diferentes atores para o desenvolvimento de projetos de restauração que recuperem áreas antes degradadas, contribuindo assim para a melhoria da qualidade ambiental dessas regiões, ação imprescindível no cenário atual.

Em um futuro cada vez mais verde e preocupado com sustentabilidade, proteção da biodiversidade e mitigação dos impactos das mudanças climáticas, ignorar essa discussão e não pensar em alternativas contemporâneas e sustentáveis representa um retrocesso, uma vez que a tendência é cada vez mais restrições surgirem no futuro próximo para garantir a preservação ambiental. Esta é mais uma oportunidade que se apresenta e que não pode ser perdida para o país unir desenvolvimento econômico e proteção da natureza. Ainda há tempo.

Luiz H. Varzinczak integra a equipe do projeto Pagamento por serviços ambientais, em execução por Treevia e GSS Carbono e Bioinovação.

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