Transformando a Agricultura através da Microbiota do Solo: Caminhos para um Futuro Sustentável
A agricultura enfrenta o desafio de conciliar a necessidade de produtividade com a preservação ambiental. Em um contexto de crescente demanda por alimentos e mudanças climáticas, a adoção de soluções inovadoras e sustentáveis é crucial. Um dos caminhos mais promissores para alcançar essa conciliação reside na compreensão e manipulação dos microrganismos do solo, que desempenham papéis essenciais na saúde das plantas, na fertilidade do solo e na mitigação de estresses ambientais.
O estudo dos microrganismos do solo é importante pois a proteção da biodiversidade, juntamente com o manejo adequado do solo e o uso eficiente de água, são estratégias fundamentais para mitigar os efeitos das mudanças climáticas na agricultura. O aquecimento global é um dos impactos mais notáveis das alterações climáticas, resultando em secas prolongadas, intensificação de ondas de calor e mudanças na distribuição das chuvas, que afetam diretamente a atividade agrícola.
Além disso, as mudanças climáticas na agricultura podem resultar em um aumento na incidência de pragas e doenças nas plantações. O aquecimento global e as mudanças nos padrões de chuva criam condições mais propícias para a proliferação de patógenos e insetos que prejudicam as plantas. Isso desafia os agricultores a enfrentarem um crescimento nas infestações e doenças, o que pode impactar negativamente a produtividade.
Sendo assim, os microrganismos do solo, chamados de microbiota do solo, auxiliam no fornecimento de nutrientes às plantas, ciclagem de nutrientes, melhoria na absorção dos mesmos, decomposição da matéria orgânica e armazenamento de carbono, uso sustentável do solo com proposta de alteração de manejo ou soluções para processo de restauração. Nesse contexto, surge o fenômeno do Agro 4.0, que busca englobar soluções multidisciplinares, como uso de biológicos, sensoriamento remoto, biotecnologia e sistemas tecnológicos.
Os principais microrganismos do solo são representados pelas bactérias, fungos, algas, arqueias, protozoários e microfauna. A rápida evolução dos microrganismos, especialmente nas interações planta-microbiota, desempenha um papel crítico na manutenção da funcionalidade dos ecossistemas agrícolas. Essa evolução microbiana pode alterar significativamente a ecologia dos solos, afetando diretamente a forma como as plantas crescem e se desenvolvem.
Compreender essas interações é vital para o desenvolvimento de biofertilizantes evolutivamente estáveis e estratégias de controle de patógenos, que podem promover uma agricultura mais sustentável. A evolução microbiana, portanto, não é apenas um fenômeno natural, mas um recurso potencialmente poderoso para a inovação agrícola. Dentre os microrganismos benéficos, as Bactérias Promotoras do Crescimento de Plantas (BPCP) representam uma das ferramentas mais promissoras para a agricultura sustentável. Essas bactérias beneficiam as plantas por meio da produção de hormônios, solubilização de nutrientes, indução de mecanismos de defesa, melhoria das características físico-bioquímicas e resiliência geral de seus hospedeiros, além de ajudarem as plantas a gerenciar estresses bióticos e abióticos. As principais BPCP empregadas na agricultura são espécies de Bacillus, Azospirillum, Burkholderia, Bradyrhizobium, Streptomyces, Rhizobium, Acetobacter, entre outras.
Além de possuírem uma relação simbiótica benéfica com seu hospedeiro, comunidades de BPCP também auxiliam na redução da utilização de insumos agrícolas, como fertilizantes, que apesar de propiciarem ganhos de produção, causam impactos negativos ao meio ambiente. Um dos grandes exemplos é a utilização de Bradyrhizobium na cultura da soja, que permite ganhos em produtividade, além de reduzir as emissões de gases contribuidores ao aquecimento global. Esse é apenas um dos muitos organismos usados na agricultura, que atuam no estímulo da planta, na entrega de nutrientes ou no controle de pragas.
No entanto, a variabilidade na eficácia dessas bactérias em diferentes ambientes e condições ainda é um desafio. Mais pesquisas são necessárias para entender melhor as interações entre BPCP, plantas e o ambiente, e para desenvolver aplicações práticas que possam ser adotadas em larga escala na agricultura.
Ainda pensando em estratégias inovadoras, a aplicação de um mix de microrganismos, como Bacillus, Trichoderma e Purpureocillium, oferece várias vantagens em relação à aplicação ou uso de produtos com um único microrganismo. Essa abordagem não apenas aumenta a eficácia do controle biológico de patógenos, como também melhora a saúde das plantas e do solo.
Cada microrganismo dentro do mix possui mecanismos específicos para suprimir patógenos do solo, promover o crescimento das plantas e aumentar a fertilidade do solo. Por exemplo, B. subtilis e T. harzianum produzem hormônios vegetais e melhoram a absorção de nutrientes, enquanto P. lilacinum contribui para a resistência das plantas a estresses bióticos e abióticos.
A utilização de um mix de microrganismos reduz a dependência de insumos químicos, promovendo uma agricultura mais sustentável e eficiente. Essa abordagem sinérgica é especialmente importante em um cenário de crescente preocupação com a sustentabilidade ambiental e a saúde do solo.
Para maximizar os benefícios da microbiologia no campo, é essencial investir na análise do microbioma do solo. Compreender a composição e a diversidade microbiana permite ajustar as práticas de manejo agrícola para otimizar a saúde do solo e a produtividade das culturas. Além disso, o monitoramento contínuo do microbioma pode revelar como as práticas agrícolas estão afetando o equilíbrio ecológico do solo, oferecendo insights valiosos para um manejo mais sustentável. Várias tecnologias podem ser usadas nesta identificação microbiana. No entanto, atualmente o uso da genômica tem trazido uma identificação mais assertiva dos microrganismos a nível de gênero e espécie, o que outras técnicas da microbiologia convencional não conseguem atingir.
Após o sequenciamento, são usados bancos de dados para gerar a correspondência entre as sequências de DNA e os microrganismos com genomas já depositados. A técnica permite a identificação de microrganismos benéficos, como as já citadas BPCP, além de patógenos como Fusarium, Rhizoctonia, Sclerotinia, Colletotricum, Phoma, Cercospora, e outros, que podem causar doenças em diferentes culturas. Um estudo aprofundado dos microrganismos do solo com a metagenômica pode gerar resultados sobre os genomas completos naquelas comunidades, além da anotação de genes e metabólitos. Também é possível selecionar microrganismos com características agrícolas potenciais e até a descoberta de novos organismos nunca antes identificados.
A mesma técnica de identificação de microrganismos do solo por sequenciamento de DNA pode ser usada para áreas produtivas a fim de buscar os microrganismos de interesse agronômico; para áreas de mata nativa, para se entender a dinâmica microbiana deste ambiente harmônico; ou em situações de solo em degradação. Estudos têm correlacionado a diversidade e a abundância microbiana em diferentes solos, tipos de cultura e biomas no Brasil. Contudo, o desenvolvimento de bancos de dados próprios para amostras do território nacional, integrado a outras tecnologias de análise de solo e análise climática, precisam ser incrementadas.
Saber quais microrganismos estão presentes no solo, ou em outras partes da planta - como raiz, caule, folha, flor, fruto e semente - é de suma importância também para outras abordagens, abrindo portas para mercados mais exigentes e garantindo a satisfação dos produtores rurais, principalmente quando pensamos no desenvolvimento e na validação de novos bioinsumos e na manutenção de um ecossistema harmônico no solo. A análise do microbioma, aliada ao uso de inteligência artificial, pode revolucionar a agricultura, pois traz índices de biodiversidade para o campo, permitindo uma tomada de decisões mais assertiva e baseada em dados.
A integração de soluções baseadas em microrganismos na agricultura é um caminho promissor para enfrentar os desafios da sustentabilidade e da produtividade, entendendo quais são os microrganismos presentes em cada bioma e em condições climáticas específicas. As inovações no campo não apenas beneficiam a produção agrícola, mas também contribuem para a preservação ambiental, promovendo um futuro mais sustentável para as próximas gerações. Ao adotar práticas sustentáveis, o agronegócio pode alinhar-se às pautas ambientais, garantindo benefícios para ambos os setores e construindo um futuro agrícola mais promissor e ecologicamente equilibrado.
* Stela Virgilio é sócia-proprietária e CEO da startup ByMyCell, graduada em biotecnologia, mestra e doutora em biotecnologia, com MBA executivo em gestão de empresas.
Referências:
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